
A menina estava na escola, aprendendo a ser o que um dia seria plenamente: ela mesma, maior – e mais sabida. Era tão alegre que até incomodava. Mas a alegria é assim, ruidosa, mesmo se a cultivarmos só dentro de nós, nos abafados do coração.
Então, o susto de uma lição nova. Estava sozinha em casa. A mãe, nas compras. O pai chegou. Ela correu, feliz, e se pendurou no pescoço dele. Mas, estranhamente, ele não a soltou. Não. E, depois o que fez, ela se viu como uma boneca quebrada. E aí aprendeu que a dor na memória arde mais do que no corpo.
A mãe não notou a verdade em seu rosto, nem ninguém na escola, em parte por miopia, em parte porque a alegria tem muitos disfarces. Achavam que a menina era a mesma. Só andava menos falante.
Quando o pai chegava em casa sorrindo, ou entre outras pessoas, agia como antes, e ela emudecia.
Era o seu avesso: uma menina na calada do dia! E aí aprendeu que o silêncio era o seu medo no último volume.
Ele se repetiu outras vezes nela, esmagando aos poucos o que restava de sua incômoda alegria.
E já quase sem voz, a menina aprendeu o que era solidão.
Assim estava, tão dolorida, tão sem esperança... quando de repente, se inflou de coragem – uma coragem que só uma menina triste é capaz de ter. E, então, mostrou a todos que reaprendera a primeira e mais difícil lição. Reaprendera a falar. E falou. Tudo.
João Anzanello Carrascoza, autor deste conto, é professor da USP e publicou vários livros para crianças, como Aprendiz de Inventar (Editora Ática) e O Homem que Lia as Pessoas (SM), entre outros.
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